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Receita de capital pode quitar dívida flutuante?


A regra de ouro das finanças públicas apregoa que as receitas de capital só podem ser destinadas, em geral, ao pagamento de despesas de capital (art. 167, III, da CF/88). Assim, para respondermos a indagação deste tópico devemos verificar se a quitação da dívida flutuante por receita de capital fere a regra de ouro.


Um olhar superficial da questão supramencionada nos revela o cumprimento da referida regra, uma vez que a Lei nº 4.320/64 afirma que a amortização da dívida é uma despesa de capital (art. 13). Porém, quando analisamos mais detalhadamente o conceito de dívida flutuante bem como a origem dessa obrigação, percebemos que a quitação da dívida flutuante através de uma receita de capital pode disfarçar um financiamento de despesa corrente via receita de capital, senão vejamos.


É sabido que o gênero receita de capital abrange as espécies empréstimos e alienação de bens (art. 11, § 2º da Lei nº 4.320/64). Por sua vez, a dívida flutuante engloba os restos a pagar, os serviços da dívida a pagar, os depósitos e os débitos de tesouraria (art. 92 da Lei nº 4.320/64). Assim, quando dizemos que a quitação da dívida flutuante pode ser feita mediante receita de capital, estamos afirmando indiretamente que o pagamento de restos a pagar pode ser feito através de recursos de empréstimos ou que a quitação de serviços da dívida pode ser realizada via alienação de bens. Percebam que nestas situações a regra de ouro das finanças públicas não parece obedecida. Aprofundaremos a análise a fim de verificar se de fato há descumprimento da regra de ouro quando quitamos dívida flutuante através de receita de capital.


A dívida pública classifica-se em flutuante e fundada. Considera-se dívida flutuante, os restos a pagar, os serviços da dívida a pagar, os depósitos e os débitos de tesouraria (art. 92 da Lei nº 4.320/64). Por sua vez, a dívida consolidada ou fundada consiste no “montante total, apurado sem duplicidade, das obrigações financeiras do ente da Federação, assumidas em virtude de leis, contratos, convênios ou tratados e da realização de operações de crédito, para amortização em prazo superior a doze meses” (art. 29, I da Lei Complementar nº 101/2000).


Esta distinção é importante para definição de qual tipo de dívida pode ser quitada mediante receita de capital, uma vez que a Constituição Federal veda, via de regra, a contratação de operações de crédito para financiar despesas correntes (art. 167, III) e a Lei de Responsabilidade Fiscal impede, em geral, a aplicação da receita de capital derivada da alienação de bens e direitos para o financiamento de despesa corrente.


Ademais, é importante salientar que a amortização da dívida pública é considerada uma despesa de capital (art. 13 da Lei nº 4.320/64), independentemente de essa dívida ter sido oriunda de uma despesa corrente (contribuições de previdência social, pessoal civil ou material de consumo) ou de capital. Isto é, o fato da dívida pública ser constituída de despesa corrente não impede que esta dívida seja quitada por receita de capital. No entanto, este processo não é automático.


Caso admitíssemos indiscriminadamente a possibilidade da dívida flutuante ser quitada com receita de capital (empréstimos, por exemplo), seria possível, em tese, a obtenção de empréstimos em janeiro de determinado exercício para quitação de folha de pagamento, contribuições previdenciárias e despesas de custeio referentes ao mês imediatamente anterior, caso tivessem sido inscritas em restos a pagar. Ou seja, indiretamente, estaríamos quitando restos a pagar de folha de pagamento ou contribuições previdenciárias com recursos de empréstimos ou alienação de bens. Isto contraria diretamente a regra de ouro das finanças públicas (art. 167, III, da CF/88).


Ainda que a ausência de pagamento de obrigações corriqueiras (contribuições previdenciárias, folha de pagamento, material de consumo, etc) do ente público gere um passivo no Balanço Patrimonial, o simples atraso no pagamento de uma despesa corrente não autoriza, automaticamente, a sua quitação via receita de capital, mesmo que as referidas despesas tenham sido inscritas em restos a pagar (dívida flutuante).


O pagamento de despesas correntes, intempestivamente, deve se realizado normalmente mediante restos a pagar ou despesas de exercícios anteriores. Somente após a transformação da despesa corrente em dívida pública consolidada teremos a possibilidade da quitação via receita de capital. Ressalte-se, entretanto, que não se faz necessário o interregno de um ano para a conversão da despesa corrente não quitada em dívida pública consolidada, pois pode existir algum processo administrativo específico (parcelamento, por exemplo) que converta a despesa corrente em dívida consolidada antes de um exercício.


Portanto, podemos concluir que, via de regra, a dívida flutuante oriunda de despesa corrente não quitada não pode ser saldada, automaticamente, com receita de capital. Todavia, em casos especiais, se existir processo administrativo específico de consolidação da dívida (um parcelamento, por exemplo), não há óbice para a extinção desta por receita de capital. Ressaltamos, ainda, que sempre existirá a possibilidade de autorização legislativa específica anuindo a quitação de despesas correntes via receita de capital, consoante exceção prevista na parte final do art. 167, III, da CF/88.


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