Na edição nº 33 (agosto de 2020) da Revista Gestão Pública Municipal (Assinatura gratuita) publicamos um artigo sob o título: “Servidor público pode ter aumento de salário durante a pandemia COVID-19?”. Ao final do artigo concluímos que: Ressalte-se que o município que não aderir ao programa de que trata a Lei Complementar nº 173/2020 e tampouco decrete situação de calamidade pública, poderá conceder reajuste salarial aos servidores públicos.
Diante desta nossa conclusão, recebemos um e-mail de uma leitora da Revista afirmando (questionando) que a situação de calamidade pública expressa na Lei Complementar nº 173/2020 vale para todos os municípios.
Diante desta indagação, resolvi expor melhor minha posição de que o município pode, dependendo de algumas condições, conceder aumento salarial a seus servidores1 no decorrer da pandemia.
Inicialmente, devemos frisar que o Supremo Tribunal Federal decidiu que o artigo 3º da Lei 13.979/2020 deve ser interpretado de acordo com a Constituição, a fim de deixar claro que a União pode legislar sobre medidas de enfrentamento da pandemia, mas que o exercício desta competência deve sempre resguardar a autonomia dos demais entes. Infere-se da referida decisão que o município tem autonomia para adotar medidas de enfrentamento ao covid-19, bem como gerenciar os recursos públicos da forma que melhor lhe aprouver.
Embora a situação de calamidade decretada pela Lei Complementar nº 173/2020 abranja todos os municípios, não me surpreenderia que em razão da dimensão territorial do país um ou outro município passasse imune a pandemia (especialmente cidades de pequeno porte com boa divisão proporcional entre a população rural e urbana).
Ademais, passados mais de 5 (cinco) meses da pandemia, o Brasil ainda registra 64 (sessenta e quatro) cidades sem casos de covid-19. Logo, nestes municípios a situação de calamidade parece ser mais “formal” do que de ordem prática.
Outrossim, o caput do art. 8º da Lei Complementar nº 173/2020 cita que as vedações nele previstas (proibição de aumento salarial) se aplicam na hipótese de que trata o art. 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/00). Por sua vez, este dispositivo assevera que suas disposições aplicam-se exclusivamente às unidades federativas atingidas pela calamidade pública (art. 65, § 2, I, “a”).
Porém, não é o fator “calamidade pública” a principal razão para o impedimento do aumento dos salários dos servidores, mas a utilização dos “benefícios fiscais” previstos na Lei Complementar nº 173/2020. Como é sabido, uma das contrapartidas impostas pelo Governo Federal para o repasse do auxílio emergencial aos municípios foi a impossibilidade de aumentar a remuneração do funcionalismo até dezembro de 2021. Assim, entende-se que, se o município “dispensar” (não precisar) o auxílio, ele não estará obrigado a adotar as medidas fiscais restritivas impostas pela referida norma, em homenagem a autonomia dos entes federativos citada na decisão da Suprema Corte acima referenciada.
Portanto, entendemos que se o município não utilizou os benefícios fiscais previstos na Lei Complementar nº 173/2020 (suspensão do pagamento da dívida, recebimento de auxílio financeiro ou reestruturação de operações de crédito), não há óbice para a concessão de aumento da remuneração dos servidores públicos, ainda que a decretação de calamidade prevista na Lei nº 173/2020 valha para todas as cidades. Ressalte-se que todas as outras medidas fiscais de aumento salarial devem ser cumpridas.
1. Ressaltamos que este artigo não é uma recomendação, devendo cada município averiguar sua situação e consultar a respectiva assessoria jurídica.