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A injustiça legal, uma visão pela ótica do orçamento público.

Por: Antônio Mota de Oliveira Júnior*


Dentro da execução orçamentária, após o legislativo aprovar a forma como serão aplicados os tributos arrecadados dos cidadãos para determinado exercício financeiro, não é raro que no decorrer do ano ocorram frustações econômicas, cabendo ao gestor público fazer escolhas de como irá executar as despesas públicas aprovadas no ano anterior, visto que, a Lei Orçamentária Anual - LOA do exercício financeiro vigente é aprovada no exercício anterior, na expectativa de determinado cenário econômico.


Assim sendo, a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n.º 101/2000) aduz que, ao final de cada bimestre, deve ser avaliado os níveis de arrecadação das receitas, com vistas a verificar se os níveis de autorização de despesas podem ser executados, caso não seja possível, deve haver contingenciamento de despesas, vejamos:


“Art. 9o Se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias subseqüentes, limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias.”


Ocorre que, neste cenário de escolhas, todas as despesas autorizadas na LOA são legais, porém passam a existir prioridades dentro das prioridades, sendo necessário distinguir os gastos necessários para atender o interesse público primário em detrimento do interesse coletivo secundário, vejamos os referidos conceitos:


“O interesse público primário é o verdadeiro interesse a que se destina a Administração Pública, pois este alcança o interesse da coletividade e possui supremacia sobre o particular, já no que diz respeito ao interesse público secundário este visa o interesse patrimonial do Estado.”


Neste sentido, é cristalino que o interesse público primário deve ser sempre a escolha do administrador dos recursos da sociedade. Desse modo suponha que a LOA autoriza a aquisição de veículos, um para o gabinete do prefeito e outro para a vigilância sanitária, ambos no mesmo preço. Assim, dentro do cenário de escolhas, em razão da frustação na arrecadação de receitas, a opção deve ser em razão daquele que mais servirá a coletividade, ou seja, o veículo da vigilância sanitária, pois caso haja a escolha do outro automóvel, ainda que legal, estaremos vendo na execução orçamentária uma situação caracterizada como injusta, porém legal.


Destarte, o que se busca na execução do orçamento público, é a contemplação de políticas públicas legalmente autorizadas. Isto é logico, todavia, dentro da legalidade, devem ser contempladas as mais justas, ou seja, aquelas que abarquem com maior volume o interesse da coletividade, o interesse público primário.

Dentro deste tema, a Lei de Responsabilidade Fiscal, em seu art.25, § 3º, expressa de forma objetiva três funções de governo na condição de interesse público primário, pois mesmo diante de impedimentos, as funções de Educação, Saúde e Assistência Social, não podem deixar de ser contempladas com recursos de transferências voluntarias, vejamos:


“Art. 25

§ 3o Para fins da aplicação das sanções de suspensão de transferências voluntárias constantes desta Lei Complementar, excetuam-se aquelas relativas a ações de educação, saúde e assistência social.” (destaque nosso)


Por outro giro, a Constituição Federal, dentro do princípio da não vinculação das receitas de impostos, também elenca as funções de governo de Educação e Saúde, situações relacionadas ao sistema de administração tributária, bem como situações de garantias para operações de crédito, na condição de interesses públicos primários, pois são exceções ao citado princípio. Vejamos:


Art. 167. São vedados:

V - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)


Em conclusão, ainda que todas as autorizações de despesas constantes na LOA sejam legais, no cenário de frustração econômica, o gestor deve olhar sempre para o interesse da coletividade, o interesse público primário, pois nem todas as despesas legalmente autorizadas receberão da sociedade uma visão de que houve justiça nas escolhas do governo. Daí, nem sempre o que é legal será justo, ficando materializado o que disse São Paulo “Tudo me é lícito, mas nem tudo me convém” - ( 1 Coríntios 6:12).


* Contador e Advogado, com especialização em contabilidade aplicada ao setor público, direito público e administrativo.

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