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A nova Lei de Licitações e Contratos já nasce desatualizada?

Por: Kívio Dias Barbosa Lopes*


O mundo avançou. Os negócios se globalizaram. É possível comprar qualquer coisa, em qualquer lugar do mundo, de modo imediato. Pelas ferramentas de e-commerce dá pra comparar preços, encontrar o melhor produto, além de obter, em certa medida, a garantia de recebimento da mercadoria no endereço cadastrado, em poucos dias da contratação.


Enquanto isso, a administração pública está presa a um sistema de compras antiquado, atrelado a um processo de contratação viciado, baseando em uma lei de licitações que, apesar de nova, neste aspecto, não se atualizou.


Ao licitar, a administração pública deve buscar quatro coisas: comprar, pelo preço justo de mercado; obter um produto de qualidade; satisfazer a uma necessidade pública; contribuir com o desenvolvimento econômico e sustentável do país. Apesar disso, o que se ver, são processos de contratação que se arrastam há meses, presos aos entraves burocráticos que só encarecem e traz prejuízos diretos ou indiretos ao funcionamento da máquina pública e aos cidadãos.


A lei de licitações está sujeita a alguns dogmas que precisam ser recontextualizados. É chegada a hora do princípio da isonomia reder homenagem a outros princípios constitucionais e administrativos até mais importantes nos dias de hoje, como a economicidade (melhor preço), da razoabilidade (qualidade do produto), da eficiência administrativa (entrega rápida e segura), da eficácia (prestar o serviço público de modo adequado e efetivo).


Para evitar o direcionamento das compras públicas, entra no circuito a Lei de Licitações cheia de amarras e um conjunto de órgãos de controle extremamente preocupados com um cumprimento das formalidades, deixando a desejar quando o assunto é avaliar a eficiência, a eficácia e a efetividade da prestação do serviço público, como registra Klias e Cardoso (2016).


A vedação de escolha de marca do produto, por exemplo, sob o pretexto de evitar a predileção por um determinado fornecedor, só traz prejuízos para a administração pública, que acaba contratando material de péssima qualidade. E não diga que a especificação detalhada do produto resolve esse dilema. Esse impedimento legal exige que a administração pública tenha servidores de compras especialistas em todo de tipo de material e serviços, o que não condiz com a realidade da maioria dos 5.560 municípios brasileiros. A consequência disso tudo, é a compra de produtos de péssima qualidade e que não atendem ao interesse público.


A exigência de apresentação de certidões de regularidade fiscal e trabalhista, nos certames licitatórios e durante a execução contratual, é outro ponto que precisa ser revisto. Se de um lado tal exigência contribui com o processo de fiscalização tributário, de outro lado, é responsável indiretamente pelo fechamento de centenas de empresas, por milhares de produtos não entregues ou por algumas dezenas de obras paralisadas pelo país.


Isso porque, qualquer certidão vencida ao longo da contratação impede o fornecedor de receber o pagamento pelos serviços prestados, gerando um caos na administração financeira das empresas, sobretudo das micro e pequenas empresas, sem capital de giro ou capacidade de endividamento. Num país em que impera um sistema tributário complexo e caro, é raro a empresa que consegue manter em dia todas suas obrigações.  Ao deixar de receber sua fatura na data aprazada, entretanto, provoca um impacto gigantesco no caixa das empresas, inclusive com muitas entrando em falência e deixando de honrar com seus compromissos junto à administração pública.


É preciso que se diga que a exigência de tais certidões é uma ação fiscalizatória do estado. Não é um ato administrativo imprescindível à efetivação das compras públicas. Avaliar se essa exigência burocrática traz mais vantagens ou desvantagens para a administração pública é uma meta importante quando se pensa em reaquecer a economia do país.


Segundo o Painel de Compras do Governo Federal (fev/24), só a União movimentou, em 2023, cerca de R$ 265 bilhões em contratações públicas.  Deste total, R$ 130 bilhões foram voltadas, exclusivamente, para o segmento das micro e pequenas empresas, beneficiando apenas 69.594 (0,33%) empreendimentos comerciais, de um total de 19,4 milhões de pequenos negócios ativos no país. 


Pelo volume de recursos envolvidos, logo se ver que comercializa, com o poder público é uma grande oportunidade de negócio. Isso contribui para gerar emprego e renda, movimentar a economia local e incrementar a arrecadação, cumprindo um dos princípios atuais da lei de licitação, que é o desenvolvimento econômico do país.


A exigência das certidões nas contratações públicas, como instrumento de fiscalização tributária e trabalhista, entretanto, acaba se tornando um mecanismo de limitação da participação de milhares de empresas neste vantajoso mercado das compras públicas do país. 


Por outro lado, a burocracia dos processos de contratação, a celebração de contratos, a emissão de empenho, liquidação e modelo de pagamento tradicional, previstos nas leis de licitação (Lei 8.666/83 e na Lei 14.133/21) e da contabilidade pública (Lei 4.320/64), os atrasos no pagamento das faturas por questões burocráticas ou a inadimplência dos entes federativos, não é mais compatível com a nova dinâmica do mercado.


Uma compra pela internet, exige pagamento imediato, através de novos instrumentos de quitação que envolve a celebração de contrato de adesão, pagamento antecipado, por meio de débito, crédito, boleto ou pix, devolução ou reembolso dos produtos com defeito ou com diversidade da especificação, exigido da administração pública atualização do seu modo de contratar e pagar pelos produtos adquiridos.    

 

A nova Lei de Licitações trouxe a novidade dos portais de compras, que pode apontar para uma maior eficiência nos processos de compras públicas. É preciso, entretanto, avançar na desburocratização do processo. Excluir exigências que só limitam a participação das empresas, restringem a competitividade, e ao fim e ao cabo, não contribuem com a função mais importante das licitações, que é prestar o serviço público de modo célere e de qualidade, além de contribuir com o desenvolvimento nacional sustentável.


*Procurador Geral de Lauro de Freitas (Ba), Mestrado em Estado, Governo e Políticas Publicas (Flacso, 2021), Especialista em Gestão Pública Municipal (Uneb, 2004), ex-Controlador Geral do Município e Presidente Fundador da União das Controladorias Internas da Bahia (UCIB).


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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BRASIL. Lei  Federal. n.º 8.866, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm> Acesso em 05 de jun.. 2020.


BRASIL. Lei  Federal. n.º 14.133, de 1 de abril de 2021. Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Disponível em < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14133.htm> Acesso em 11 de fev. 2024.


KLIASS, Paulo e CARDODO JR, José Celso. Três mitos liberais sobre o Estado brasileiro. São Paulo, Brasil Debate, 2016.


MINISTÉRIO DA GESTÃO E INÓVAÇÃO EM SERVIÇOS PÚBLICOS. GOVERNO FEDERAL. Painel de Compras. Brasília, 2024.  Disponível em http://paineldecompras.economia.gov.br/processos-compra Acesso em 11 de fev. 2024.


MINISTÉRIO DO EMPREENDEDORISMO, DA MICROEMPRESA E DA EMPRESA DE PEQUENO PORTE.  Mapa de Empresas. 3° Quadrimestre de 2023. Brasília, 26 de jan. de 2024. Disponível em https://www.gov.br/empresas-e-negocios/pt-br/mapa-de-empresas/boletins/mapa-de-empresas-boletim-3o-quadrimestre-2023.pdf.> Acesso em 111 de fev. 2024.


RELATÓRIO ANUAL EXERCÍCIO 2017. 1ª ed. Salvador: Tribunal de Contas dos Municípios do Estado da Bahia (TCM/BA), 2017. p. 1-176. Disponível <https://www.tcm.ba.gov.br/wp-content/uploads/2018/05/relatorio-2018.pdf>  Acesso em 26 mar 2021.


RELATÓRIO ANUAL EXERCÍCIO 2018. 1ª ed. Salvador: Tribunal de Contas dos Municípios do Estado da Bahia (TCM/BA), 2018. p. 1-161. Disponível <https://www.tcm.ba.gov.br/wp-content/uploads/2019/05/relatorio-anual-final.pdf>  Acesso em 26 mar 2021.


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