Embora os princípios constitucionais que regem a administração pública, notadamente a moralidade e eficiência, sejam suficientes para evitar a aquisição de bens supérfluos pelos municípios, a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei Nacional n.º 14.133, de 01 de abril de 2021) trouxe regra expressa a fim de evitar este tipo de compra.
De acordo com a referida norma, “os itens de consumo adquiridos para suprir as demandas das estruturas da Administração Pública deverão ser de qualidade comum, não superior à necessária para cumprir as finalidades às quais se destinam, vedada a aquisição de artigos de luxo” (art. 20). Em seguida o novo marco regulatório prever que os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário definirão em regulamento os limites para o enquadramento dos bens de consumo nas categorias comum e luxo, sendo vedada, a partir de 180 (cento e oitenta) dias contados da promulgação da Lei, a realização de novas compras sem a edição do referido regulamento.
Portanto, cada município deverá editar ato normativo próprio regulamentando o enquadramento dos bens nas categorias “luxo” e “comum”, muito embora se reconheça a dificuldade na definição de um padrão único e universal, dadas a subjetividade envolvida e as peculiaridades de cada região.
No âmbito federal, o Decreto n.º 10.818, de 27 de setembro de 2021, estabeleceu algumas regras sobre a matéria, definindo, por exemplo, produto de luxo como “o bem de consumo com alta elasticidade-renda da demanda, identificável por meio de características tais como: a) ostentação; b) opulência; c) forte apelo estético; ou d) requinte” (art. 2º).
Ainda que seja louvável a iniciativa legislativa, nota-se que os conceitos envolvidos na definição de bem de luxo ainda abarcam boa margem de subjetividade ou são de difícil mensuração. Por exemplo, o conceito econômico de elasticidade-renda da demanda consiste, em geral, na variação da quantidade demandada conforme a variação da renda. Desse modo, como calcular a elasticidade para as diversidades de produtos adquiridos pelo Poder Público?
Malgrado a aferição geral do bem de luxo seja uma tarefa difícil, em alguns casos ela se mostra patente. Quem não se recorda da licitação realizada pelo Supremo Tribunal Federal – STF para adquirir refeições, quando a Suprema Corte estabeleceu que, além dos “medalhões de lagostas com molho de manteiga queimada”, os vinhos brancos deveriam ser da “uva tipo Chardonnay, de safra igual ou posterior a 2013, com no mínimo quatro premiações internacionais”[1].
De todo o exposto, afigura-se mais razoável, sempre que não houver um critério mais objetivo para a identificação dos bens de luxo, adotar como parâmetro primordial as necessidades dos municípios em confronto com as características dos bens, de modo que toda vez que o bem possuir especificações superiores às necessidades da administração, deve-se evitar sua compra, optando-se por outro que detenha características mais aproximadas, levando-se em consideração, obviamente, o preço.
[1] https://veja.abril.com.br/politica/stf-faz-licitacao-de-r-11-milhao-para-comprar-lagostas-e-vinhos/