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Cotas raciais em concurso público: autodeclaração ou heteroidentificação?

A Lei Federal n.º 12.990, de 09 de junho de 2014, reservou aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal. Apesar da referida norma aplicar-se apenas à administração pública federal, não há impedimento dos municípios editarem leis próprias regulamentando a matéria, uma vez que o Supremo Tribunal Federal - STF[1] decidiu pela constitucionalidade da reserva de vagas para negros e pardos.

 

Não obstante a declaração de constitucionalidade, persiste o debate acerca da identificação da condição de negro ou pardo para fins das cotas raciais. Noutras palavras, como adotar um procedimento objetivo capaz de identificar quais candidatos se enquadram na condição de negro ou pardo?

 

A Lei Federal nº 12.990/2014 prever que o próprio candidato pode se autodeclarar negro ou pardo no ato de inscrição no concurso, conforme quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Contudo, este critério de identificação mostrou-se demasiadamente subjetivo, uma vez que alguns candidatos se autodeclararam negros ou pardos não em função da cor da pele, mas em razão da ancestralidade ou outras características físicas.

 

Dessa forma, a fim de diminuir a subjetividade na escolha dos candidatos que poderão concorrer as vagas destinadas a negros e pardos e visando suprimir casos de fraude nos certames, o Supremo Tribunal Federal - STF[2] entendeu que, além da autodeclaração, os candidatos poderão passar por uma comissão avaliadora de heteroidentificação a qual apreciará as características físicas dos candidatos, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e ampla defesa.

 

No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça – STJ[3] aduziu que “o critério de orientação para a confirmação do direito à concorrência especial funda-se no fenótipo, e não meramente no genótipo, na ancestralidade do candidato”. No caso analisado, a Corte Superior de Justiça considerou não haver irregularidade no edital do certame que adotou o sistema misto de identificação do sistema de cotas raciais, no qual o enquadramento do candidato como negro não é efetuado somente com base na sua autodeclaração, mas sim em uma posterior análise por comissão especial, especialmente designada heteroidentificação.

 

A heteroidentificação nada mais é do que a identificação por terceiros da condição declarada. Isto significa que a autodeclaração informada pelo candidato no momento da inscrição do concurso goza de presunção relativa de veracidade, podendo ser cotejada pela comissão de heteroidentificação. No entanto, “a presunção relativa de veracidade de que goza a autodeclaração do candidato prevalecerá em caso de dúvida razoável a respeito de seu fenótipo, motivada no parecer da comissão de heteroidentificação[4]”.

 

A avaliação feita pela comissão de heteroidentificação não poderá utilizar critérios de ancestralidade, mas de fenotipia. Entende-se por características fenotípicas o tom da pele, textura do cabelo, formato dos lábios e nariz, traços faciais, dentre outras.

 

Em suma, a condição de negro ou pardo para fins de cotas em concursos públicos dependerá não apenas de como o candidato se enxerga, mas de como outras pessoas (comissão de heteroidentificação) o percebem. Assim, além da autodeclaração, a comissão de heteroidentificação emitirá parecer acerca da condição do candidato, baseando-se em aspectos fenotípicos.

 

Por fim, cumpre ressaltar que, apesar do procedimento de heteroidentificação, “na hipótese de declaração falsa, o candidato será eliminado do concurso e, se houver sido nomeado, ficará sujeito à anulação da sua admissão ao serviço ou emprego público, após procedimento administrativo em que lhe sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa, sem prejuízo de outras sanções cabíveis”.


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[1]. STF – ADC nº 41/2017.

[2]. STF – ADC nº 41/2017.

[3] STJ – AgInt nos EDcl no RMS 69.978-BA. Dje de 25/10/2023.

[4]. MPOG – Portaria nº 04/2018.

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